quinta-feira, 26 de junho de 2025

quem sorri naquela foto?
acho tocante ainda existir esperança
em um mundo tão cansado
                  ocupado por mortos
de um futuro não muito
distante 

embora insista
certa desconfiança
de que dentes cerrados sejam
apenas uma mostra
        de desespero

terça-feira, 17 de junho de 2025

a vida empoça na tarde de chuva
rasuro aquilo que queria até
o próximo
risco 

não existe nada aqui
apenas o universo inteiro
enquanto escurece lembro do
futuro do pretérito 

tentativa e erro
erro 

             erro
a tarde que submerge entre palavras
                  em negrito
arrastadas pelo itálico
estancadas pelo grifo 

naufrago a ideia inicial
me debato feiamente
até apreender a afundar  

a idade de cada verbo se conta
pelo número de tentativas
frustradas

segunda-feira, 16 de junho de 2025

minha caneta lenta

no papel onde respira

            ou tenta

ouvir a insônia das mães

que cavam e bufam

arriscando-se

        ao empilhar

                      pedras

 

não dura nada

nada dura

não

 

nem o céu lento

que queima como pedra derretida

as crianças esculpidas

na poeira de cimento

 

a insônia

das mães é lenta

– ao contrário

         das pedras

nada dura

não

 


 

terça-feira, 10 de junho de 2025

 

como é mesmo o nome

daquele lugar que não visitei?

aquele onde sem sair da cama

fiquei dias intoxicado com  palavras

que  não entendia

 

eles tinham um gesto

tocando a ponta dos dedos

para expressar felicidade

cremavam os mortos

e com as cinzas

enfeitavam a entrada das casas

diziam que os gatos eram

muito parecidos com um engano

 

que a fumaça era a imaginação das coisas

e que as nuvens eram os sonhos não realizados

 

lá, me deram um nome impronunciável

que significava luz numa tarde de preguiça

 

nunca haviam pensado em forma de alfabeto

por isso desenhavam as tristezas na areia da praia

para serem apagadas

 

e cada vez que o sol vai embora

ainda sinto o sopro do tempo que passei

entre eles

 

sexta-feira, 6 de junho de 2025

 

em looping, ensaio um início

daí imagino como seria voltar ao terreiro

lembro de coisas transparentes –

da poeira

da guanxuma

e da mão da mãe

apontando pra tudo o que faltou ser varrido

em looping, há terra embaixo das unhas

porque cavouco até chegar à partida

à rachadura

às folhas do chorão

e à roseira da família

em looping, assopro o pó

de cada coisa esquecida no chão