terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Um trato (A pact)






Um trato

Faço um trato contigo, Walt Whitman –
Já te detestei tempo bastante.
Venho a ti como guri grande
Que teve pai cabeça-dura;
Já tenho idade bastante pra fazer amigos.
Foste tu que rachaste a lenha verde,
Agora é hora de esculpi-la.
Temos a mesma seiva e raiz -
Que haja troca entre nós.




A pact

I make a pact with you, Walt Whitman - 
I have detested you long enough.
I come to you as a grown child
Who has had a pig-headed father;
I am old enough now to make friends.
It was you that broke the new wood,
Now is a time for carving.
We have one sap and one root - 
Let there be commerce between us. 

Ezra Pound (tradução - Luiz Carlos Quirino)









tendo lançado o barco
à correnteza –
as mãos anêmicas
suplicam por absolvição ou alimento
como resposta – aves contraditórias
e presságios
dado que a si mesmas trabalham
com chumbo e sutileza
numa sobrevivência enfraquecida
e muito menos [naturam naturatam
e muito menos]
nos vestígios da razão
nos livros enfim o silêncio
nunca mais se pôde dormir
por causa do gritos dos mortos
nossos gritos
e os joelhos tortos

LUIZ CARLOS QUIRINO


domingo, 13 de janeiro de 2019







Era aquele tempo em que
as mães sacrificavam seus filhos
à noite não podíamos dormir
por medo de sermos devorados
a arte continuava morta
deus, desaparecido
e era difícil caminhar pelas ruas
tomadas por roseiras
sem cortar os pés ou
avistar um cometa
daí a magnitude do fracasso
transfigurava-se em tímida alegria

Era aquele tempo em que
as mães educavam seus filhos
à noite começávamos a colher
(em meio aos cervos degolados  
na larga entrada da porta)
os seus intestinos
inverossímil estalar das uvas
flambadas pela poeira
em encorpados gestos
se reproduzia o enigma
alguma virtude – desamparo
equilibrávamos na finíssima linha

Era aquele tempo em que
os filhos educavam-se no sacrifício
à noite mais morriam que dormiam
junto aos cervos devorados ao meio
uma arte de largar-se à sorte
entre deuses e assassinos
e era inverossímil caminhar
em meio às uvas e às roseiras
encorpados pelos cortes nos pés
e o problema dos cometas
em descompasso a virtude e o fracasso
e o sentido da alegria eram as mães.

LUIZ CARLOS QUIRINO



domingo, 6 de janeiro de 2019

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O que deseja a guria
que revela o rosto entre os dedos
conversa com os canários e
ouve assombrada a bondade das coisas
passa as noites em claro
sonhando com a guerrilha
acredita que a justiça é uma forma
__________de amor
e que um fascista
não o sabe e não pode
preso entre um passado
_____________fantasmagórico
e um futuro impossível
enquanto dança
em redor da fogueira
apenas o nome queimando
e o vestido de fogo
nesta noite permanente
e ela penetra o mistério do mundo
sem a desconfiança da dívida
ninguém sabe de onde veio
o rosto que se desfaz
entre os dedos
transfigurando-se em constelação
singularidade e variações
maneja a espada
ainda que de olhos cobertos
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LUIZ CARLOS QUIRINO