domingo, 31 de janeiro de 2021




seguro
um ramo de luz
entre os dentes
e queimo a língua
na incandescência
das palavras
 
pronuncio
sí-la-ba por sí-la-ba
tentando impedir
que o incêndio
devore a vida
 
sub-reptícia na arqui-
tetura de cada frase
erigindo uma ponte
sobre a sombra
e o silêncio
 
caudalosos como a respiração
que cadencia minha fala
e alaga as margens
 
seguro
uma mariposa de luz
entre os dentes
e deixo a noite
carbonizada
ruir 


luiz carlos quirino
 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 







lembrava o ruído
das nuvens se despedaçando
ou o atrito do ar na água
quando soprava a íris
de meus olhos
 
enquanto esperava
que voltasse à vida
com a hora seca no
meio de um livro
 
e o uivo
do joão-de-barro
na janela
 
tinha esquecido
a forma de meu rosto
ou o gosto dos
parafusos na língua
 
não podia voltar
sem o mapa
desenhado por
suas unhas
do lugar onde
nunca estivemos
 
chamava-se
chuvarada-em-dia-de-verão
e só agora aprendi
a pronúncia correta
 
agora que minha boca
se choca no concreto

luiz carlos quirino 
 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

 



os olhos que sustêm a fagulha
estão gelados &
 
a arquitetura de livros eletrônicos
sobre conjecturas obscurantistas
jaz:
 
instruções para armar uma
fogueira – viagens espaciais
e cura para o quebranto
 
o rosto que recebe a navalha
está cindido &
 
pouco jovem para o século
pouco velho para nascer
 
tão frívolos
os dedos deixam rastros
ferruginosos nos azulejos
e na
 
brancura hospitalar
dentadura cerâmica
 
o corpo que degrada a paisagem
está brotando &
 
velhos fantasmas voltam
a assombrar reduzidas telas
 
[LED como espectro
ou cruzada]
 
o soturno dos dentes esconde
a extinção na fogueira
de vaidades
 
alegria pornográfica
em looping
em looping
 
o esforço que arrasta a eternidade
está rarefazendo &
 
a entonação da voz denota fragilidade
 
as mãos que sustentam o ofício
estão cansadas


luiz carlos quirino 

sábado, 16 de janeiro de 2021

 

o apito da fábrica
tenta salvar os vagabundos
dos pais de família
 
quitar o crediário
comprar mais um
pente de munição
 
enquanto sonham acordados –
apertam os parafusos da decência
 
continuamente quase hora
do almoço e ônibus lotado
e Jesus três vezes por semana  
 
& não importa quantos livros tu leias
serás sempre um fodido hereditário
 
& não importam os anjos de Leonard
Cohen numa terra arrasada
 
construí uma casinha
e esperei o pior ou à
moda Tonico & Tinoco
as simples tristezas atrás
dos silvos os Silvas  


luiz carlos quirino 
 
 

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

cobiçaria o ar fresco &
a ilusão de que tudo daria certo
na queda inicial
 
se o desejo não estivesse interdito
desde o nascimento
 
[uma vez vi um guri ser esfaqueado
em frente à casa – e ele ainda andou
alguns metros antes de sumir]
 
metáfora do que persiste ou
impossibilidade metafísica
 
eu desconhecia
Spinoza e sua turma
mas suspeitava de certa união
das coisas alastradas no choque
dos afetos que às vezes nos
levam a vida
 
[tempos depois o esfaqueador
apareceu – crivado de balas –
às margens do córrego]
 
esperamos o momento
em que seremos suprimidos
num bombardeio ou perturbação
 
(de felicidade)
 
longe
os ricos gozam em seus bunkers
construídos sob os desaparecidos 


luiz carlos quirino 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

 

colchão
de navalha
lençol de sal
em que o pássaro
       descansa
do coágulo
nas asas
 
mientras hacía calor
 
sonha
com a volta do céu
e a merda
 
despencando
sobre a humanidade
hasta hacerla
apagar-se
 
e borrar
a contingência
que precede
o canto
 
tão silencioso
quanto cirúrgico
ao final

luiz carlos quirino