segunda-feira, 29 de junho de 2020

debater-se do peixe
contra os azulejos
salto em rotura que
estilhaça as escamas
e a porcelana em fio
em direção aos olhos
[imolação da imagem
e tudo que está fora]

ruína
tétano e
ferrugem

impossível ressuscitar
os mortos como carne
já que nada germina em
superfície impenetrável

mesmo sêmen
apodrece sem
conhecer a humilhação
do nome ou sepulcro
sob a chão

antes nasce para o invisível
e já não pesa a mesma velocidade
do que tem centro e precisão

estação de colheita e aridez
recolha do gesto e esgotamento
que se lê como arma

palavra
antes da semeadura
a guerra e as mães
que se explodem
contra os guardas

por seus filhos
gravados nos
azulejos


luiz carlos quirino 

terça-feira, 16 de junho de 2020

o pensamento em sua morada
ainda não funda o primeiro princípio
– destruição e arkhé do próprio
rastro –

nem a voz e seu alcance limitado
o princípio se faz ao meio
até o fim

nascer é tão anacrônico
quanto impossível
melhor seria desistir
de riscar a noite em
fagulha descomedida

tenho todas as idades
menos o tempo que me
resta

e é preciso procurar entre
os escombros algum sinal

tenho todas as cidades na
poeira dos pés deformados
pela lucidez

e já nem lembro quando a
humanidade deixou de existir

o macunaíma entre ruínas fala
do país do futuro que nunca foi
que refina suas mnemotécnicas
de destruição entre os expirados

os quase-mortos
um quase-vivo


luiz carlos quirino 

sexta-feira, 12 de junho de 2020

o aberto abarca todo o fora
como um dentro que se abre
em violenta indiferenciação
e o rosto se transforma no mundo
que lê meu semblante intraduzível

e os rios ao sul do futuro
invadem as margens
onde crianças dormem
nas casas em chamas

agora
despertamos submersos
agora
os submarinos planam
acima
e abaixo e ninguém
consegue pronunciar
o palíndromo que é meu
nome

já fomos adultos incompletos
quando sonhávamos
compulsivamente
tanto
quanto
mentíamos

não
não é verdade ou
talvez seja
não sei

corre
corre
para que tuas mãos
voltem a ser ágeis
corre
como se não fosses glacial
sobre o gelo que se rompe
– aberto que engole o corpo

a obesidade dos crimes
sobre uma fina camada
cortante


 luiz carlos quirino 

quinta-feira, 4 de junho de 2020

numa casa abandonada
como se o corpo não fosse
raquítico
a criança ainda brinca
e através dela não víssemos
as paredes desmoronadas
[com usura homem algum
erguerá casa de boa pedra
já que há tantos
menos bárbaros que nós]

a grinalda da noite
enrosca-se nas ferragens
das portas bancárias retorcidas
e arrastam os edifícios abaixo
e os cabelos grisalhos de
fuligem e unhas roídas
no talo e roupas novas
para estreia

de pés descalços
pisoteando o verbo intransitivo
tento não perverter a simplicidade
que se revela somente na oscilação
mais transparente da revolta
nas pedras retiradas dos bolsos
enroladas em cartas de despedida
e avisos de chegada

luiz carlos quirino