domingo, 28 de março de 2021

 

o homem bomba dorme o sono dos justos e sonha com meus pés se ferindo nos escombros de sua obra. tento reconstruir inutilmente a cidade. estou sozinho – a não ser por aquele que dorme e me tem perambulando entre seu espírito e o nada. encontro uma flor chamuscada e a ofereço ao responsável pela destruição. ele a recusa e diz que os homens e as mulheres possuem livre-arbítrio – então sua consciência se faz tranquila como a de uma criança. que o corpo não pode ser nada mais do que o que se consegue reerguer continuamente a partir da caliça pisada e repisada pelos sobreviventes que passam sobre os viventes para se banhar no pó – argamassa do sonho e eventualmente da vigília.               

 

sábado, 20 de março de 2021

 
agora sou apenas espera
debaixo do céu – junto
ao que nunca será azul
 
duração do corpo na ideia
como                       fome
causa e efeito
           da vertigem
 
eu teria amado o silêncio
se ele não fosse apenas
a respiração condensada
no vidro da janela e o
atordoamento da falta
 
o indispensável
devorado pelo
impossível
 
desenho um nome na
transparência colocada
entre mim e o mundo
já que não tenho coragem
de pronunciá-lo em
           voz alta
 
– a imagem
é arrebatamento


luiz carlos quirino 

sábado, 13 de março de 2021

 

pés e mãos atados
na armadilha –
ventura do animal que caça
até a extinção
da corrida
 
– silencio
 
como na solidão da noite
e do concreto rígido
anterior à invenção da carícia
e do passo da andorinha
 
suspenso –   
 
arqueologia do lugar vazio
do que ainda não existe
sem ser atordoante

luiz carlos quirino

quinta-feira, 4 de março de 2021

 



se
Godard existisse
carregaria em sua
mão uma caneta
e escreveria
cartas
 
com uma
letra apressada
cheia de rasuras
sob um abajur
do tamanho
do sol
 
para um mundo ainda
por inventar – onde a
causalidade não teve
tempo e é apenas um
espaço curvo
 
como assinatura
e falsificação de seu nome
que desfigura sua imagem
e semelhança dispersa em
cada objeto
 
seja de carne
ou de introspecção
tudo consumado
mais do que
desaparecido
em suas mãos

luiz carlos quirino