segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Os dedos que restam





Como se desperdiça uma vida?
da mesma maneira que se constrói
uma armadilha
se compra cigarros numa esquina
ou uma poltrona
o trabalho banal, alguns seriados
depois tudo foge ao controle
e os objetos nos imobilizam
torcem nossos dedos
arrancam nossas unhas
com o nosso assentimento
como se deforma uma vida?
o medo perverte a alegria
a transformando em fetiche
num fascismo dos objetos
que consomem seus consumidores
a casa já não é um lugar seguro
é – antes de tudo – um sítio febril
os dedos que restam contam os dias
mais depressa
e já pesamos mais do que quando principiamos
por isso a sensação de afundamento
como se perturba uma vida?
como se perde o ônibus
quando se aproxima a chuva
e tudo escurece e as portas se fecham
e não estamos mais em casa
e a mãe é apenas uma invenção
distorcida nas memórias antigas
atrás dos olhos a noite se adensa
como um sono sem sonho – ou morte
caímos infinitamente num abismo cego
nos ferimos nos entulhos de uma vida
indefinidamente implodida –

Luiz Carlos Quirino