sexta-feira, 27 de dezembro de 2019





Àqueles que não tem nada
e abraçam um tempo parado
de espera e esperança
céticos contra as nuvens de tempestade
e as profecias que às vezes se confirmam
em ocupações subalternas
duma vida vista de debaixo pra cima
espécie de metafísica dos objetos
que não se pode ter

e o tempo pra quem espera algo
pra quem tocou o fundo
pra quem tem seu corpo consumido
de variadas formas
enquanto as feras dilaceram
a medida dos homens e mulheres
é feita pelos sinais
que exteriorizam seu valor
como a velocidade da queda
o alinhamento dos dentes
a brancura das unhas
uma lista de 87 itens
todos reluzentes e melancólicos

por isso esta saudade difusa
daquilo que nunca viveremos
e o andar arrastado
que retrocede sobre os dedos
grossos que não cabem nos bolsos
sem fundo
de dentro do buraco sem tempo
são como garras inúteis
daqui a lua parece tão clara
que até tenho medo
que seja impossível  

luiz quirino

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

mais antigo




Algo muito mais antigo –
entre nossas retinas e o mundo
– aparafusa uma lanterna
gelada
duo entre ver e andar
o que se encrava
no subsolo até o núcleo
sem dor ou pressa
provido de precisão
anterior à espera
extraindo uma alegria difusa
deixando um ramo seco
aos descendentes
exilados pela terra
marcha interminável
rumo ao núcleo
que recomeça todas as noites
renovando a traição
remoída e expelida
rumo à superfície


luiz quirino

sábado, 21 de dezembro de 2019

ferruginoso




Como respiração encerrada
num envelope todo inflado
pequena apneia dos objetos
distribuídos meticulosamente
pelo mundo – mudos e
carregados de violência
como se quisessem fugir
à procura de alguma garantia
contra a rarefação
e a vacuidade produzida entre os corpos
que se precipitam
uns contra os outros
maquinalmente amorosos
parcialmente vivos
menos brilhantes do que ferruginosos
do que os olhos espirituais e reflexivos
e alguns dentes perolados
arrastando passos trágicos
como se o asfalto os fizesse mais sorridentes
e cogitassem uma respiração deveras ofegante
e se pudéssemos ler o futuro no voo
das aves marinhas?
em meio ao sorriso ou à respiração
plagiando nossos antepassados
maus plagiadores do tecido
que morre na fila do caixa
à espera do troco – embora
sentindo algum frescor nas calúnias
que trazem na bolsa
mentimos igualmente quando
escrevemos nosso nome
sem o peso da culpa
já que a era dos grandes homens
revelou-se mera alucinação
agora tudo parece mais vivo
tão claro que nos impele à crueldade
certa lucidez de insolação
torna melancólicos nossos
movimentos cadenciados e geométricos
abrangendo um limitado raio
talvez menor do que o
de um condenado
uma geometria que se expande
como um tumor fractal
– a respiração artificial que
produz as ervas mais felizes
e abundantes em sabedoria
anônimas e silenciosas


luiz quirino