domingo, 28 de abril de 2019






Que máquina enorme a do silêncio
de quem trabalha de costas curvadas
e mantém os pés no chão movediço
de quem articula palavras petrificadas
e conhece o peso de todas as coisas
de quem tem seu corpo explorado
e resignadamente se cala

no ar apenas um rumor de existência
uma ferida aberta pelos acontecimentos
mesmo que na superfície nada aconteça
o interior agita-se
antecedendo o impensável
dos que não encontram paragem
para a sua fadiga
exilados no medo e na fuga
como fantasmas em meio ao pó

o dia e a noite e a queda inevitável
de quase todos os animais domesticados
prenuncia-se
dóceis para a morte
animais sonhadores
que sacrificam a vida
em nome de uma mutilação
pelas inevitáveis armadilhas
seu grito é mudo
abafado pelos urros das manadas
que se precipitam ao início


luiz carlos quirino

sábado, 13 de abril de 2019








Uma gramática que
raspasse o corpo
– na ambição de voltar
ao idioma de todas as coisas –
uma espécie de convulsão
atravessada por fluxos
e velocidades desiguais  
como um animal que morre
ou devora sua presa
realizando sua natureza
rasurando em si a inscrição humana
e suas diferentes gírias
caligrafia corporal
transformando-se em ideograma

ela irá correr até que as pernas
se transformem em reticências
e o dia torne-se calado
à espera da saciedade
mas um corpo útil é insuporta-
velmente triste
[a vida numa fábrica]
até o rompimento do liame fundamental

ela irá riscar a tábua com as unhas
e amolar as unhas na pedra
perder a cabeça
entre as árvores que tombam
existência dura
como a de todos os homens
dos que vieram antes e dos que virão
silenciosos pelo horror
da impossibilidade de escolha
ou desistência
arrastados por signos brutais
de uma língua arbitrária
limitada às dimensões do corpo
quase sem forças em sua anemia
de dizer o corpo do desejo
dizê-lo sem destruir a si mesmo
ou o outro
dizê-lo como aquele que se lança
para a morte
sem poder sê-lo
[um corpo – um espanto]
a noite é um estado utópico
o corpo, uma invenção
destinada ao apagamento


luiz carlos quirino