domingo, 13 de janeiro de 2019







Era aquele tempo em que
as mães sacrificavam seus filhos
à noite não podíamos dormir
por medo de sermos devorados
a arte continuava morta
deus, desaparecido
e era difícil caminhar pelas ruas
tomadas por roseiras
sem cortar os pés ou
avistar um cometa
daí a magnitude do fracasso
transfigurava-se em tímida alegria

Era aquele tempo em que
as mães educavam seus filhos
à noite começávamos a colher
(em meio aos cervos degolados  
na larga entrada da porta)
os seus intestinos
inverossímil estalar das uvas
flambadas pela poeira
em encorpados gestos
se reproduzia o enigma
alguma virtude – desamparo
equilibrávamos na finíssima linha

Era aquele tempo em que
os filhos educavam-se no sacrifício
à noite mais morriam que dormiam
junto aos cervos devorados ao meio
uma arte de largar-se à sorte
entre deuses e assassinos
e era inverossímil caminhar
em meio às uvas e às roseiras
encorpados pelos cortes nos pés
e o problema dos cometas
em descompasso a virtude e o fracasso
e o sentido da alegria eram as mães.

LUIZ CARLOS QUIRINO



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