quinta-feira, 26 de março de 2020


Deciframos microvidas
deste lado do vidro
operadas como
máquinas biológicas
tão mais precisas quanto
mais imprevisíveis

e mesmo que eu saiba da
relação entre tempo & espaço
memorizo as quatro paredes
que consomem minhas horas
sentado sobre o ruído da inércia

agora que tenho quarenta anos menos
de controle e mais engano – menos
metros à minha volta

e movo os polegares alavancando
alguma engrenagem – e se gira
e a máquina reluz o animal
geométrico e de fala
ante o espaço atravessado
_______por palavras

os povos arcaicos ofertavam terra
aos recém nascidos em troca de
seu tempo inédito

nós de nossa parte
apenas migramos
iludidos pela claridade
que ensaia voo enquanto
mergulhamos na noite



luiz carlos quirino

sábado, 21 de março de 2020


Quem não se esquivaria
de este y otros accidentes
tão ingênuos quanto uma
___________faca afiada
o como los principios de
incendio
à meia noite sem sonho e
_______________insone
pero el deterioro debía de
seguir su marcha
até que conseguíssemos ler
_______minha respiração   


luiz carlos quirino

sexta-feira, 20 de março de 2020


Todo o espaço aberto escapa
das janelas escancaradas
de forma absorta aqui dentro
contamos os minutos
entremeados na manhã e na insônia
tanto que o concreto transforma-se
em alucinação se levitamos
sem estarmos sonhando

desde que a vida mesma
encontra-se suspensa
agarro-me à minha fração
a despeito do remédio ineficaz
borrando o horizonte –
até me distraio sem culpa

já as ruínas continuarão no chão
no mesmo ponto em que ficamos cegos
pela última vez

a boca colada à terra
comendo o caminho fechado atrás
depois de ontem até as fronteiras lacradas

da natividade ociosa da pele
onde esqueço meu corpo
onde desenhei nossa singularidade
no espaço aberto pelo temor
ou no ritmo que se dispersa
de meu lápis que levita
sem estar sonhando ou acordado

tempo espúrio de espera e a delicadeza
extingue os líricos às covas rasas largados
pequenas estrelas que mudam de cor
quando refletem as luzes dos corpos renascidos
miraculosos porque cotidianos –
ilumino teus olhos para não esquecer
por que não tenho centro



luiz carlos quirino

quarta-feira, 18 de março de 2020


Herdei o dano sob a cervical
e a subserviência contras as quais
quase sempre perco & evado
– apesar do mundo – dos que só têm
as mãos como ferramenta
as mãos e mais nada

ou um corpo contra o tempo
afiançando a alma no concreto
desdobramento do mundo ao infinito
pela contaminação dos afetos
e a tentativa de perseverar na existência
dissimetria entre morte e nascimento
e as mãos como ferramenta
as mãos e mais nada

as tramelas frouxas nos portões
giram contra as mães
talvez sejam hélices de um avião
__________terreno
blocos de alicerce que mal suportam
o peso de uma casa parada
__________e esquecimentos
e pressiona as vértebras que aspiro
e as mãos como ferramenta
as mãos e mais nada

quereria pouco mais que um nome
__________inaudível
que se extinguisse enquanto se distanciasse
rumo ao limite – rio do tempo
que lavasse o rosto por fim
e as mãos como ferramenta
as mãos e mais nada


luiz carlos quirino

quinta-feira, 12 de março de 2020


Os desempregados endireitam-se
__________na fila
entre a igreja e o desfile fascio
à espera dos pelotões de palhaços
e demais patriotas matrimoniais
tudo é hino delírio ou prece
lisonjeira decapitação dos dias
nas fábricas a cada vez inabitadas
no timbre da voz afásica de perto se
clama pela destruição do mundo
vejo a avenida cortada
pelo corvo de corpo flamejante
que incendeia a casa onde deus
dorme tranquilo sobre os mundos
sinto meu próprio corpo sem peso

remendo preces ao deus nulo
que de sua janela nos observa
e o desespero dos homens límpidos
sob a concretude das lousas e a dureza
das leis que regem e despencam
no céu nublado à noite
as nuvens escondem algo terrível
restam-nos as luzes dos edifícios
brilhantes e quase sem vida
de minha cabina espero que as
ondas transportem os cosmonautas
sedentarizados no engavetamento
às dezoitos horas da
_________segunda-feira-raquítica



luiz carlos quirino

sábado, 7 de março de 2020


Cortar o haraquiri com lâmina cega
contra a pedra áspera dos calcanhares
aqui cravados entre o texto
_____________e é de medo
que os calos endurecem o discurso
sendo diamantes falsificados
fosforescem através da noite
das crianças parricidas e a sociedade
para o progresso dos códigos e cifras
ante a escrita vertiginosa

exala o hálito de estricnina
em estricto sensu hábito
de desaparecer gradativamente
voando abaixo do nível do mar
esperando que os peixes também
_________levitem
até a origem da infâmia que
acompanha minha sombra sem nome
e sem história – quase muda

um acidente e as vozes
rolam pelo declive
em silêncio quando as comemos
com dentes frágeis – de porcelana
que se quebra antes de conseguirmos
decodificar a mensagem
vinda de longe – de terras mortas
por nós abandonadas na segunda infância
agora falsificada nos sorrisos desdentados
como nosso único interior


luiz carlos quirino

terça-feira, 3 de março de 2020






















num experimento pedagógico
________digamos
Jesus tenha preferido o ladrão
então matamos o professor
e continuamos matando
por que o céu caiu
transformando em
______eternidade
a violência
e a verdade
numa bondade anêmica
de cores desbotadas e
sem plumas
no labor-saving machine
nem se imagine salvo
das máquinas

ou do
labor

porque após o carnaval
impõe-se um tempo de monstros
– de desfiguração
saídos das gengivas pálidas
e da semântica estéril
quase o chamado secular
para uma vida horrenda

perturbações
psíquicas &
poltergeist

nas vitrinas
mais assombradas do que decoradas
em ruas onde o vento olha
para o outro lado
enquanto sigo
____atravessando
__________paredes
com estudado rigor



luiz carlos quirino