- Bom dia senhor porteiro, tenho uma reunião com o Juiz Superior.
Abrindo os olhos como se acordasse na tumba, da boca do
porteiro saiu o hálito quente com lentas
e indiferentes palavras.
- Ah, a senhora deseja ainda falar com o Juiz?
- Desejar não desejo, senhor, mas vim pegar o Veredicto.
- O Juiz Superior não está minha senhora. Se tem horário
marcado com ele, não sei o que fazer, nem sei mesmo porque ainda estou aqui,
tudo agora é digital. Vou perguntar à Grande Secretária Eletrônica que sabe tudo e saberá também como proceder
nesse caso encrencado. Pode se sentar e aguardar.
No confortável sofá importado da Inglaterra com almofadas
bordadas com esmero na Polônia, Ela esperou olhando pela última vez, Ela sabia
que seria a última, ficou olhando as paredes coberta pelos gobelinos estampados
com os reis da França. Olhava de vez em
quando o velho porteiro que a olhava de
esguelho com seus óculos embaçados de quem ganha pouco salário mas tem que usar
gravata dourada listrada de prata para cochilar.
Uma voz metálica de repente falou pelas paredes:
- Dirija-se à sala 508, um Juiz Não Tão Superior está atrás da
porta.
Abriu a porta onde uma placa indicava 508. Não havia
ninguém, somente uma gigante tela de três faces que começou a falar.
- A senhora, ah sim, a senhora quer saber do Veredicto. Está
na memória. A rua decidiu o Veredicto do
Processo e a Justiça reiterou, a senhora
foi condenada por usar em demasia a
justiça para fazer justiça. Pronto, é esse o Veredicto. Agora, por favor,
retire-se.
Apesar de ser uma tela, Ela insistiu.
- Senhor Juiz Não Tão Superior de três faces, a metade da
rua não me condenou.
Apesar de ser uma tela, retrucou.
- Esse lado da rua que não te condenou, a tela desconhece,
não tendo memória para arquivos que não interessam.
Apesar de ser uma tela, Ela gritou.
- Mas eu tentei fazer Justiça. E agora o que vou fazer da
minha vida?
Apesar de ser uma tela, respondeu.
- Quem faz justiça justa, vira barata. Se quiser chegar à
rua, vá pelo boeiro pois não há mais portas aqui para a senhora atravessar. É o
seu fim.
Mais uma vez Ela desobedeceu às telas. Virou um escaravelho.
Fez três bolinhas de merda e jogou nas três faces da tela. Fez outra bolinha,
agarrou-se nela e foi rolando escadas abaixo até o Grande Jardim da rua.
Procriando filhotes na merda, entre flores e pedras, cantou por 12 anos com o fio afiado da língua dos insetos a
Canção da Esperança nos Homens.
SP - 30.01.2018
Marta Rezende | economista, consultora em projetos e produções culturais.
Muito grata pela publicação desse primeiro conto de uma série que venho escrevendo. Parabéns pelo blog. E vamos de literatura , mais importante que viver é a literatura.
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