Todos parecem ter se acostumado aos gritos, a qualquer hora, em meio ao escuro de uma noite que insiste em ficar por muito mais tempo do que o tolerável. Agora, por exemplo, são três da tarde, e as anêmicas lâmpadas da casa me fazem forçar os olhos para que consiga prosseguir com minha leitura. Em determinados momentos eles lacrimejam tanto que tenho de fazer uma pausa para não ficar cego de vez. A capacidade do governo de fornecer eletricidade tem sido colocada à prova, já que a demanda aumentou consideravelmente desde que a escuridão chegou à cidade, por isso a luz sempre em meia fase, sempre um tanto insuficiente. Há pouco ouvi o que parecia ser o grito de um homem pedindo socorro. No início ligava para polícia, mas logo descobri que era inútil. Eles nunca apareciam. Então acabei desistindo. Todos têm medo, por isso preferem fazer de conta que não estão escutando nada. Só deus sabe o que se passa atrás de cada cortina cerrada. Pior certamente é a rua que de uns tempos pra cá está se tornando cada vez mais selvagem. Tenho a impressão de que a falta de luz, do sol propriamente dito, está afetando de maneira bastante negativa o comportamento dos indivíduos. Outro dia uma mulher ateou fogo num homem desconhecido. A polícia, como por milagre, apareceu nessa vez. A mulher alegou que o sujeito tinha roubado sua vaga no estacionamento. Então ela foi até um posto de gasolina, encheu um pequeno galão de combustível. Sua intenção era a de atear fogo no carro do sujeito, mas ao chegar lá ele estava entrando no veículo. Já estava se preparando para ir embora. Ela poderia ter deixado pra lá. Mas não. Antes que ele pudesse reagir, ela já havia o encharcado de gasolina. Ele tentou correr. Ela riscou um fósforo e atirou em sua direção. O fogo seguiu o rastro da gasolina e alcançou o sujeito. Quando a polícia chegou o corpo estava preto, carbonizado, envolto numa fumaça meio azulada. A mulher estava ao volante e dizia que iria esperar o corpo e o carro serem removidos para que ela pudesse estacionar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário