Trovões explodem, lá fora, num intervalo que diminui num
compasso geometricamente ordenado. Regularidade quebrada por uma algazarra que me
atrai até a janela. Abro uma fresta na cortina, e uma claridade parece se
aproximar depressa pela rua quase totalmente às escuras. Mas aparentemente não
se trata dos trovões. Não demora muito para que consiga identificar um homem
coberto por enormes chamas. Atrás dele, um cortejo de crianças maltrapilhas que
correm, pulam e atiram objetos. Algumas estão descalças, outras com sapatos ou
roupas maiores que seus corpos. Correm e de tempos e tempos puxam suas calças
para cima a fim de não as perder. Quando passam em frente a minha casa fecho um
pouco mais a cortina para que não me vejam. Mas o homem que arde olha em minha
direção, e tenho a impressão de que por alguns segundos pode me ver escondido
atrás da barreira de tecido escuro. No entanto continua sua corrida até quase a
esquina que fica a uns duzentos metros do ponto onde me encontro. Então cai. As
crianças à sua volta fazem uma festa danada. Dançam ao redor da fogueira humana
e cantam: “Burn baby burn. Burn that mother down. Burn baby burn. Disco inferno”.
Ou algo parecido. Festa encerrada pela chuva que começa a cair com violência.
Cada criança corre numa direção diferente. Restando apenas um amontoado de
carvão preto no meio da rua. E ali ele ficou por dois ou três dias sem
incomodar ou ser incomodado.
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